Há 13 anos escrevi um artigo no blog chamado “Quanto vale a vida de um israelita?”. Na altura foi por causa da troca que Israel fez com o Hamas para a libertação do soldado refém Gilad Shalit, que tinha sido raptado por esse grupo fundamentalista. Shalit foi libertado em troca de mais de mil presos palestinianos.
Podem ler o texto por vocês mesmos, que é bastante curto, mas essencialmente ele questiona as consequências de uma acção que todos apontavam como sendo uma grande vitória dos palestinianos.
“É claro que, do ponto de vista puramente pragmático, a Palestina conseguiu a libertação de mais de um milhar de militantes. São mil pais, irmãos, filhos e filhas que regressam às suas casas. Isto ninguém lhes tira.
Mas ao aceitar este acordo não está o Hamas a aceitar a ideia de que a vida de um israelita vale mais do que a de um palestiniano? Neste caso, mil e tal vezes mais?”
Lembrei-me novamente desta questão esta semana quando o exército israelita levou a cabo uma operação especial que libertou quatro reféns israelitas ainda nas mãos do Hamas, raptados a 7 de Outubro. O número é disputado, mas terão sido pelo menos cerca de 100 os palestinianos que morreram nessa operação, mutos deles civis.
Admito que a reacção dos defensores da causa palestiniana me deixa bastante espantado. Um grupo terrorista que goza do apoio da maioria da população – tanto quanto é possível verificar – comete um acto terrorista e mata mais de mil pessoas, raptando mais de 200 reféns; mantém esses reféns durante mais de sete meses, escondendo-os em locais fortemente povoados por civis, e depois lamenta-se pelo facto de uma operação especial militar para os libertar causar muitas vítimas?
Não me entendam mal, eu também lamento as vítimas, lamento mesmo. Estas e todo os milhares que este conflito tem causado, mas não deixo de notar que as vítimas seriam muito menos se: a) ninguém tivesse raptado ninguém em Outubro ou, b) se o Hamas tivesse libertado os reféns mais cedo.
Neste conflito, que é tudo menos simples, eu não tenho problemas em assumir a posição do franciscano que disse à fundação AIS: “Eu não sou pró-Palestina, nem pró-Israel, sou pró-ser humano”.
Mas não posso deixar de traçar uma ligação directa entre a troca do soldado Gilad Shalit e a libertação destes quatro reféns, ou se quiserem, toda esta guerra espoletada pelo rapto de mais de 200 israelitas. Para os líderes israelitas a morte de 100 ou 200 palestinianos, militantes ou civis, é um baixo preço a pagar pela libertação de quatro reféns. Isto porque Israel já demonstrou em 2011, e noutras alturas, que considera que a vida de um israelita vale pelo menos mil palestinianos. E, o que é pior, o Hamas mostrou, em 2011 e noutras ocasiões, que concorda.
Pode-se argumentar que esta é a força de Israel, que é por isto que eles continuam a ganhar nesta guerra interminável. Pode-se argumentar, convincentemente, que o povo judeu aprendeu a ser assim por causa das perseguições todas a que foi sujeito ao longo dos séculos, e de forma tão grotesca no Século XX.
Mas eu discordo. Acredito que enquanto não for claro para israelitas e palestinianos que a vida de uns vale tanto como a dos outros, nunca haverá mesmo paz naquela terra.
E repito o que já disse no início desta guerra: Israel agora pode dar-se ao luxo de pensar assim e agir em conformidade, porque tem superioridade militar, mas o equilíbrio de poder muda com o tempo, e esta não é uma situação sustentável para sempre. Uma visão sábia, de longo prazo, obriga Israel a tentar estabelecer uma paz duradoura, quanto mais cedo possível, e tratar com a dignidade necessária a sua população árabe e a comunidade palestiniana. Mais do que justiça, é um investimento no futuro.