Não há quase nada que nos custe tanto do que sofrer uma ofensa. Pode ter sido abusado enquanto criança por alguém em quem confiava. Se calhar foi abandonado ou traído pelo marido ou pela mulher. O seu sócio ou o empreiteiro que o roubou. Os seus pais divorciaram-se. O homem que a engravidou e depois a abandonou, porque afinal só queria uma coisa. Foi cancelado. Foi preterido de forma injusta.
Pode passar o dia nas redes sociais, a acumular “likes” em publicações narcisistas e a seguir todas as distracções do mundo – incluindo causas políticas impecáveis – mas a ofensa continua a moer. Aquela pessoa fez-me isto. Talvez não tenha um grande domínio daquilo a que os autores espirituais chamam “interioridade”, mas é capaz de perceber que o mundo é diferente daquilo que agora consegue ver.
Aristóteles e, depois, São Tomás, disseram que somos desenhados de tal forma que quando somos tratados injustamente concebemos uma revolta que apenas se alivia através da vingança contra a pessoa que nos ofendeu – e não é uma vingança qualquer, é uma retribuição que deixa claro à outra pessoa que apenas está a levar com aquilo que nos fez. Este tipo de revolta torna-se facilmente irracional, podendo levar-nos a ferir os inocentes e a magoar-nos a nós mesmos também.
Até aqui apenas falei de ofensas pessoais, mas poderá ser que fomos ofendidos de forma insidiosa por grupos inteiros. Se a sua pele é negra, terá de lidar todos os dias com a desconfiança de alguém. Pessoas que dão o litro a trabalhar ganham pouco, ou perdem muito, devido às decisões de pessoas poderosas. Tente criar uma família numerosa só com um salário sem sentir algum ressentimento para com os políticos que desenvolveram as nossas políticas fiscais; os casais que têm cães em vez de filhos e aqueles que acham que o amor de um pai pela sua família não passa de egoísmo.
O ressentimento, e o seu parente próximo, a inveja, representam formas de obter vingança emocional, de forma virtual. Aristóteles e São Tomás dizem que a revolta que sentimos para com certas classes de pessoas facilmente pode assumir a forma de ódio. Aquilo a que chamamos “polarização” política não é mais do que classes de pessoas a alimentar um ódio recíproco.
Alguns falsos mestres de Cristianismo dizem que já estamos todos salvos, e que a única coisa que nos impede de sentir a alegria plena é aceitar essa salvação. Mas o Catecismo ensina-nos a doutrina verdadeira. A salvação vem com uma condição: devemos perdoar quem nos ofendeu. A misericórdia transbordante de Deus “não pode penetrar nos nossos corações enquanto não tivermos perdoado àqueles que nos ofenderam” (#2840). A nossa petição de que Deus perdoe as nossas ofensas não será escutada “sem que primeiro tenhamos satisfeito uma exigência” de perdoar a quem nos tem ofendido (#2838).
Fica aqui, então, um trabalho de casa: em oração (talvez diante do Santíssimo Sacramento) escreva num caderno os nomes de todas as pessoas de quem se lembra que o tenham ofendido. Depois, um por um, peça as graças para os perdoar do coração.
Mas o que é o perdão? Nosso Senhor, numa parábola, equiparou-o à anulação de uma dívida. De forma mais geral, a posição de igualdade que intuitivamente desejamos ter em relação aos outros é perturbada por qualquer transacção em que alguém ganha algo à nossa custa, sem nos compensar. A ofensa, ou injúria, é isso mesmo. O caso mais claro é a dívida que fica por pagar.
Pelo instinto da “justiça retributiva”, queremos a restauração dessa igualdade, exigindo ao outro precisamente aquilo que perdemos. “Paga o que me deves!”, diz o homem enquanto esgana o devedor (Mateus 18,28). O perdão passa por desistir desta dívida para com o outro, convertendo aquilo que nos é devido num dom gratuito. Aquilo que é devido é “nosso”, e por isso somos livres de fazer com ele o que bem quisermos (Mateus 20,15); e uma das coisas que podemos fazer é deixá-lo com o devedor, em vez de pedir de volta.
Para deixar claro, quando perdoamos não é o pecado original que anulamos (isso é com Deus). Não estamos a dizer que a fraude não é fraude, que a traição não é traição. Não dizemos que o pecado ultrajante não o era. O que dizemos é que não estamos a exigir de quem nos ofendeu o equivalente daquilo que o seu pecado ultrajante nos custou.
Do ponto de vista ético, o perdão é complicado, porque parece que estamos a desistir da justiça ou até, como diriam os economistas, a criar um “perigo moral”, ao desculpar os maus actos. Também é fácil confundir a abdicação da retribuição com a abdicação daquilo que nos foi retirado com o crime. Se uma mulher violada perdoa ao seu atacante, não está a conceder-lhe, de forma retroactiva, o uso do seu corpo, está antes a abdicar daquilo que, no âmbito da justiça, poderia extrair dele (ou pedir à sociedade ou a Deus que extraíssem) pela ofensa cometida.
Do ponto de vista psicológico, o perdão é complicado porque o amor próprio e a autoprotecção levam-nos a querer ficar a pensar na ofensa. O choque que ela nos causa vai regressando em vagas, tal como o choque da morte de um ente querido quando estamos de luto. Porque é que nos sujeitamos a isto? Porque o choque repetido devolve-nos, por assim dizer, a um estado de inocência pelo qual ansiamos, de antes de termos sido ofendidos. É por isso que, como diz o provérbio, e como São Tomás já tinha ensinado, devemos aprender a esquecer quando perdoamos.
Claro que é mais fácil falar do que perdoar. Felizmente, a Igreja ajuda-nos com mais do que só palavras. Ela recorda-nos, de forma solene, que as ofensas que sofremos são pouco em comparação com as ofensas cometidas contra Deus. Oferece-nos os sacramentos, que nos dão a graça para fazer aquilo que o Catecismo reconhece como humanamente impossível. “Esta exigência crucial do mistério da Aliança é impossível para o homem” (#2841). Ensina-nos a dar esmola que, ao cobrir uma multidão de pecados (1 Pedro 4,8) nos reveste de caridade em vez de revolta e recriminação.
E, para além disso tudo, com o seu tesouro de escritos espirituais, fortifica-nos com considerações sobre porque é que somos abençoados quando perdoamos quem nos ofendeu.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 6 de Junho de 2024)
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