As contas da JMJ 2023 foram apresentadas a semana passada, e o resultado é quase inconcebível: 35 milhões de euros de remanescente, e mais valias para o país – com destaque para a cidade de Lisboa – de mais de 350 milhões de euros.
Digo que o resultado é quase inconcebível porque a fama que as JMJ tinham até agora era de serem autênticos buracos negros financeiros. Nas palavras do próprio D. Américo Aguiar, que é o principal responsável da JMJ, havia alguma esperança de que sobrasse uma pequena quantia de dinheiro, mas a verdade é que nos meses antes do começo da Jornada o que reinava era incerteza sobre se vinham peregrinos ou não em quantidade suficiente, e sobretudo uma enorme preocupação com a subida em flecha de preços de… tudo, pelo que se começou a temer o pior.
O facto de o maior evento alguma vez organizado em Portugal ter sido da responsabilidade da Igreja, com o apoio das entidades públicas, e ter não só corrido bem como gerado mais-valias de toda a ordem é assinalável e deve ser um enorme orgulho para todos os portugueses, que mais uma vez mostraram que são capazes de fazer coisas grandes, e de as fazer bem.
Contudo, na minha opinião o grande legado desta JMJ não é ter havido contas positivas, é ter havido contas públicas e transparentes, que por acaso foram positivas, mas que teriam sido uma novidade mesmo que fossem negativas. É que por mais incrível que possa parecer, a verdade é que a tradição nas JMJ não só era de buracos financeiros, mas também de total opacidade financeira.
Na conferência de imprensa de apresentação das contas tive a oportunidade de perguntar a D. Américo se estas são as JMJ mais lucrativas de sempre, e a resposta é ilustrativa. Pensa-se que sim, mas não há como ter a certeza, porque não existem contas quase nenhumas dos eventos anteriores. Isto é inacreditável, e mais uma vez é muito positivo Portugal ter inovado neste campo, em nome da transparência, deixando aos próximos organizadores a obrigação de o fazer também. Numa altura em que o Vaticano está ainda a lidar com graves crises de falta de transparência financeira, é fundamental mudar a página e passar a trabalhar de outro modo. Portugal não era diferente, reinavam nas dioceses as “contas à merceeiro”, com números escritos à mão em folhas de papel e importantes centros de retiros diocesanos que nem facturas passam. É tempo de virar a página e é bom que a Fundação JMJ tenha dado uma boa lição nesse sentido, tanto para dentro como para fora.
Para onde vai o dinheiro?
Obviamente, a JMJ não existe para gerar dinheiro, não é esse o seu objectivo. Como sempre foi prometido pelo D. Américo, o dinheiro que sobrou será aplicado, com os dividendos a serem distribuídos anualmente por organizações e projectos para jovens e crianças dos concelhos de Lisboa e Loures.
A diferença para o que prometeu D. Américo é que a quantidade superior de lucros do que se esperava permite alargar o espectro geográfico e assim poderá haver dinheiro para projectos não só em Portugal inteiro, como porventura noutros países.
Há aqui uma enorme oportunidade para fazer o bem, e fazer o bem de forma duradoura. É de esperar que seja aproveitada ao máximo.
E o homem responsável por essa missão já não será D. Américo, mas sim o Cónego Alexandre Palma.
O Cónego Alexandre não é uma figura muito conhecida do grande público. De perfil profundamente académico, é uma das relativamente poucas figuras de grande peso da teologia em Portugal e na Universidade Católica Portuguesa. Não tem paróquia, mas está ligado desde que foi ordenado ao Seminário dos Olivais, no Patriarcado de Lisboa.
Eu tenho a sorte de conhecer muito bem o Padre Alexandre, que é há já vários anos assistente espiritual da minha equipa de casais das Equipas de Nossa Senhora. Sou suspeito, por ser muito seu amigo, mas posso dizer que é um homem de uma seriedade inabalável e de uma enorme inteligência e astúcia. Não conheço a sua dimensão de gestor, mas acredito que ele tenha alguma experiência nesse campo, pelo trabalho no seminário e na Faculdade de Teologia da UCP, mas sobretudo sei que está a fazer esforços para reunir uma equipa de verdadeiros especialistas para trabalhar com ele na direcção da Fundação JMJ. Acredito que, por isso, podemos esperar o melhor do futuro para este projecto.
Olhando para trás, é quase absurdo que há um ano estivéssemos a discutir mais milhão ou menos milhão para o palco, ou se os selos evocativos da JMJ eram fascistas ou não. Acredito que ainda estamos a recuperar do assombro que foi a JMJ e do privilégio que foi podermos viver esta experiência no nosso quintal. Para o futuro fica a memória, fica um Parque Tejo transformado, e fica esta Fundação que tanto bem irá fazer. Graças a Deus!
Bem argumentado e oportuno esta nota. A independência de espírito do Filipe Avillez recompensa os seus leitores