A Diocese de Broome cobre o norte do Estado da Austrália Ocidental, um território imenso e esparsamente povoado. A população não ultrapassa os 35 mil, numa área bastante maior que o Texas. O número de católicos é ainda mais pequeno, menos de 14 mil, em nove paróquias. Segundo a diocese, a média de praticantes semanais em 2016 foi 694, descendo para 519 em 2021.
Acontece que Broome também tem uma significativa população de aborígenes. Em 1973 o bispo local aprovou, de modo experimental, o uso de um novo rito litúrgico conhecido como a Missa Terra Spiritus Sancti, ou a Missa da Terra do Espírito Santo. De acordo com o Conselho Nacional Católico de Aborígenes e Ilhéus do Estreito de Torres (NATSICC), o rito é “uma missa distinta que funde de forma belíssima a tradição católica e a cultura aborígene, criando assim uma celebração única de fé que tem servido a diocese ao longo de mais de cinco décadas”.
Embora a diocese de Broome tenha relativamente poucos católicos, de acordo com a NATSICC há mais de 130 mil católicos entre aborígenes e ilhéus do Estreito de Torres no país inteiro, e são ao mesmo tempo o grupo demográfico mais jovem e com maior ritmo de crescimento na Igreja Australiana.
No início de Maio, a Conferência Episcopal da Austrália aprovou por unanimidade o rito para uso na Diocese de Broome, e submeteu-o ao Dicastério para o Culto Divino, em Roma, para ser oficialmente reconhecido.
A Igreja Latina tem uma longa tradição daquilo a que se pode chamar “diversidade litúrgica”, existindo ritos e usos aprovados para grupos particulares de pessoas, lugares ou comunidades. Recentemente, vimos casos de ritos aprovados para territórios de missão (como um rito da Amazónia, actualmente a ser considerado por Roma), ou igrejas locais em culturas não ocidentais (como o exemplo da Diocese de Broome).
Mas nem sempre é assim. O belíssimo uso anglicano tem apenas algumas décadas, mas as suas raízes remontam às tradições litúrgicas inglesas anteriores à Reforma. Os dominicanos têm o seu próprio rito, bem como os cartuxos, os carmelitas e os cistercienses. Em Milão celebra-se o rito ambrosiano desde os finais do século IV, não obstante algumas modificações.
Tudo isto para dizer que a Igreja está mais que habituada a adaptar a sua liturgia aos lugares e culturas em que se encontra. Quando isto é bem feito – quando o Verbo Encarnado é o “paradigma autêntico da inculturação”, como insistiu o Papa Bento XVI – o resultado não é sincretismo, mas sim o exemplo vivo da exortação de Paulo aos Tessalonicenses: “Examinai tudo. Retende o bem”.
Nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano Segundo a manifestação mais evidente da inculturação litúrgica no ocidente foi a introdução em larga escala do vernáculo, mas houve outras.
Em partes do mundo em que o Evangelho se confronta pela primeira vez com culturas estabelecidas, ou onde esse encontro aconteceu há apenas algumas gerações, a inculturação não é só inevitável, é mesmo necessária. E parece estar a funcionar nesses locais onde a Igreja tem crescido mais nas décadas mais recentes, sobretudo na África subsaariana e na Ásia. No seu melhor, a inculturação litúrgica incorpora os melhores elementos das culturas particulares na vida e no culto da Igreja.
Por isso, quando uma Igreja local numa parte remota da Austrália arranja espaço na liturgia para uma dança tradicional aborígene no ofertório, ou adapta as respostas de certos pontos da missa aos ritmos e cadências da língua local, ou utiliza tambores e didgeridoo, o resultado pode muito bem ser o melhor para as necessidades pastorais e espirituais da Igreja local.
Mas deixem-me propor uma premissa provocadora. Se a inculturação saudável funciona em lugares como Broome, onde a Igreja se confronta com uma cultura pré-existente e profundamente enraizada, o que dizer das regiões do Ocidente em que a cultura pré-existente e profundamente enraizada era precisamente o rito romano?
Pensem em quanto da cultura ocidental – o melhor da sua arte, arquitectura, música e literatura – tem como principal referência o rito romano.
Se as reformas litúrgicas dramáticas dos anos pós-conciliares tornaram possível a inculturação litúrgica que deu grandes frutos evangélicos em muitas culturas não ocidentais, o efeito em grande parte do ocidente tem sido muito diferente.
Enquanto a incorporação de tradições, história e cultura profundamente enraizadas na liturgia é encorajada como “inculturação saudável” nalgumas partes da Igreja, o mesmo impulso para incorporar a herança cultural e espiritual do ocidente latino na liturgia é tratado de forma díspar.
O resultado tem sido uma espécie de exculturação no ocidente, com a Igreja a ter de se esforçar para encontrar algo – o que quer que seja – que possa servir como substituto das raízes mais profundas da sua própria cultura. Frequentemente procura-se estes substitutos na cultura pop, que é mais uma anticultura, ou em experiências abstratas que partem da mente de liturgistas (presumo que bem-intencionados), mas que não têm ligação a qualquer povo, lugar ou cultura identificável sequer.
Tudo isto poderia ser lido como um lamento pelas restrições à Missa Tradicional, postas em prática pelo Traditiones Custodes. E até se pode aplicar. Mas o problema é igualmente relevante para a vasta maioria de católicos que seguem a forma ordinária.
Como é que a Igreja no ocidente pode, citando o Papa Francisco, alcançar a necessária “inculturação de fé e evangelização da cultura” sem recorrer às mais profundas raízes da sua própria herança cultural e espiritual? Não é preciso suspirar pelo regresso de uma qualquer era dourada mítica, menos ainda rejeitar as reformas do Concílio, para poder identificar o desenraizamento que tem acompanhado estas décadas de exculturação.
Espero e rezo que a Diocese de Broome possa colher abundantes frutos espirituais da sua celebração da Missa da Terra da Espírito Santo. E espero e rezo por um dia em que o ocidente pós-cristão encontre a confiança suficiente para ir beber também à sua própria riqueza de cultura e tradição.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na quinta-feira, 30 de Maio de 2024)
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