
Malek Twal é um veterano diplomata da Jordânia, que serve actualmente como embaixador da Liga Árabe em Espanha.
O embaixador pertence ainda a uma importante família cristã na Jordânia, que conta entre os seus membros o antigo Patriarca Latino de Jerusalém, Fouad Twal.
A Actualidade Religiosa conversou com ele à margem do Fórum de Diálogo Global que decorre por estes dias em Lisboa, organizado pelo Centro de Diálogo Internacional KAICIID, uma organização fundada e financiada pelo Governo saudita que trabalha na área do diálogo inter-religioso e está sedeada em Lisboa.
É embaixador da Liga Árabe, uma organização de países de maioria islâmica. Quando se apresenta a pessoas elas ficam surpreendidas por saber que é cristão?
Não deviam ficar, se souberem que o mundo árabe não é composto unicamente por muçulmanos.
Dentro desta comunidade enorme de 450 milhões, espalhados por 22 estados árabes, existe uma maioria predominante de muçulmanos, mas há também importantes comunidades cristãs e não cristãs. Porém, somos todos árabes. No Egipto há os coptas, que são uma minoria importante, no Líbano os cristãos são a maioria, e na Jordânia, Palestina e Síria somos historicamente uma minoria importante.
Por isso quem conhece o mundo árabe, sabe que os cristãos são uma parte da população árabe, mas os que não são especialistas no assunto tendem a ficar surpreendidos.
Alguma vez teve de enfrentar dificuldades profissionais por ser cristão?
Pelo contrário! Antes de me tornar embaixador da Liga Árabe a Jordânia, um país muçulmano, nomeou-me a mim, um cristão, para representar os muçulmanos na Aliança das Nações, da ONU, cargo que desempenhei durante seis anos. Por isso, acabou por ser mesmo uma vantagem, e não um obstáculo.
A Jordânia é vizinha de Israel e da Palestina, onde continua a decorrer uma guerra que dura há sete meses. Tem esperança que a paz chegue em breve à Terra Santa?
Um diplomata é sempre motivado pela esperança na paz.
A pequena comunidade cristã de Gaza perdeu já muitos dos seus membros, que ou foram mortos, ou morreram de doença, ou emigraram desde o começo da guerra. Mas os cristãos na Cisjordânia também estão a ser afectados, pelo menos economicamente, uma vez que muitos dependem da indústria do turismo, que caiu a pique. Teme pela continuidade da comunidade cristã na Terra Santa?
Em Gaza aquilo que me preocupa é a existência futura de toda a população palestiniana. As dificuldades que os cristãos enfrentam em Gaza são as mesmas que os seus irmãos muçulmanos, por isso não distinguiria entre os desafios que enfrenta todo o povo palestiniano, nem sublinhara em particular as dificuldades da comunidade cristã.
Os cristãos e os muçulmanos na Palestina sempre viveram em fraternidade e paz, e o mesmo se aplica aos judeus, até 1948.
Qual é o estatuto da comunidade cristã na Jordânia? Existe plena liberdade religiosa?
Os cristãos têm plena liberdade religiosa na Jordânia pelo simples facto de serem cidadãos, e a constituição da Jordânia, como as constituições de outros países árabes, enfatiza a igualdade dos cidadãos. Por isso nós gozamos de plenos direitos enquanto cristãos, tal como os muçulmanos gozam de plenos direitos enquanto muçulmanos.
Mas sabemos que essa não é a realidade em muitos outros países árabes…
Sim, e às vezes temos de prestar mais atenção à realidade do que à letra do texto das constituições.
Ao longo das últimas duas décadas, desde a invasão do Iraque em 2003, as coisas têm sido muito difíceis para os cristãos nalguns países árabes. Há quem fale mesmo da possibilidade de a presença cristã desaparecer de grande parte do Médio Oriente.
Eu não estou preocupado com a presença cristã nos países árabes, porque os cristãos são muito apegados às suas terras. Os cristãos sempre desempenharam um papel importante na edificação dos seus países, seja no Iraque, na Síria, Palestina, Jordânia, ou outras partes do mundo árabe.
Mas se muitos cristãos no Iraque, para dar um exemplo, saíram do seu país, pelas mais variadas razões, não podemos esquecer os muitos muçulmanos iraquianos que também foram forçados a abandonar os seus países. O êxodo do Iraque e da Síria não é um exclusivo dos cristãos. No seu caso pode ser mais visível, por serem uma minoria, mas muitos muçulmanos e cristãos foram forçados a sair dos seus países por causa da insegurança, e alguns pagaram com a vida o sonho de procurar uma vida melhor.
Uma das formas de compreender as dificuldades no mundo árabe é pela perspectiva da divisão sunita-xiita. Que importância tem na realidade?
Penso que as coisas estão a melhorar bastante. Depois da entente entre o Irão e a Arábia Saudita, negociada pela China, o futuro promete ser melhor, de maior compreensão-
O seu tio foi o Patriarca Latino de Jerusalém entre 2008 e 2016. Foi sucedido pelo Patriarca Pierbattista Pizzaballa, que está há muito tempo na Terra Santa, mas não é árabe. Esta nomeação foi bem recebida pelos cristãos árabes?
Não necessariamente. Há diferentes opiniões, mas acho que preferíamos ter tido um prelado árabe.
Acha que ele está em boa posição para tentar mediar o actual conflito e alcançar a paz?
Ele tentou logo de início, mas sem resultados práticos.
Temos visto muitas manifestações pró-Palestina à volta do mundo, sobretudo em universidades nos EUA, mas também noutros países. Esta é uma boa forma de chamar atenção para o problema?
Para isso tem de perguntar aos alunos, que estão de alma e coração a manifestar não apenas os seus sentimentos, mas também os seus valores, de que a guerra não é aceitável.
Não se pode atacar uma população civil e causar tanta morte e destruição. Gaza está-se a tornar inabitável para 2,5 milhões de pessoas.
Por isso, creio que estão a demonstrar o seu compromisso para com os seus princípios e valores humanos.