“Foste apanhado pelos motins universitários?”, perguntou um amigo. “Quais motins?”, perguntei de volta. “Dos manifestantes pró-Palestina na Universidade de Texas”, disse, referindo-se à universidade onde estou a fazer um sabático. “No Texas não temos motins estudantis”, expliquei-lhe, “temos mal-entendidos entre os estudantes e os polícias sobre quem controla os espaços públicos. Os alunos acabam por aprender.” As autoridades do Texas são um pouco mais severas que as que supervisionam as universidades de elite da Costa Leste.
Como referiu Wilfred McClay, num recente artigo no The New Criterion, estes protestos não são um exemplo de “liberdade de expressão”. Podem ser “manifestações” – de revolta, frustração e por vezes aborrecimento. Mas não são “expressão” no sentido clássico de logos, de “discurso raciocinado”.
No discurso exprimimos uma ideia; elaboramos um argumento; convidamos o outro a responder. Os protestos nos campus universitários não são convites ao diálogo, pelo contrário, são uma exigência para que o diálogo cesse e a obediência comece. Nesse sentido, são semelhantes aos grupos que calam aos gritos os oradores com quem discordam. Não é surpreendente, por isso, que ambos tendem a andar de mão dada.
Neste caso os manifestantes não estão a convidar ninguém a responder de forma razoável às suas posições, não estão dispostos a ouvir opiniões contrárias, têm “pedidos” que exigem ser cumpridos; são uma turba e as turbas são das coisas que, juntamente com a tirania, os fundadores deste país mais temiam.
Quando estes manifestantes fingem praticar a liberdade de expressão, o que verdadeiramente estão a fazer é mostrar o poder de uma turba para levar os outros a submeter-se à sua vontade, e não devem ficar surpreendidos se as autoridades responderem à sua manifestação de poder com uma manifestação do seu. Os polícias do Texas não estavam ali para discutir, mas os manifestantes também não.
Talvez um dos aspectos mais ridículos destas mais recentes manifestações seja o choque mostrado pelos alunos quando, depois de terem violado repetidas ordens para dispersar, acabam finalmente por ser detidos. O facto de muitos precisarem de ser carregados por fazerem “peso morto” contradiz a sua inocência, mostrando que foram instruídos sobre o que fazer quando estão a ser filmados e a polícia os levar. Talvez possamos concordar que isto não é forma de gerir uma casa.
Há uns anos uma aluna minha, rapariga inteligente, tinha uma queixa sobre algo na universidade. “Tudo bem”, disse eu, “e o que é que pretendes fazer sobre o assunto?”. Pensou um bocado depois disse: “Juntar pessoas para protestar?” Respondi: “E que tal seres eleita para a associação de estudantes? Escreveres um artigo de opinião no jornal? Procurar convencer os outros sobre a tua posição?” Ou não tinha pensado em nenhuma dessas opções, ou não tinha qualquer fé nas mesmas.
A democracia é uma coisa complicada, requer paciência e um conjunto de capacidades próprias. Não é como um carro que posso conduzir para onde me apetecer, à velocidade que quero, e que pára quando eu mando. Implica lidar com outras pessoas, e as pessoas têm as suas próprias ideias e preocupações.
Se não mostrar interesse pelas ideias e as preocupações dos outros, o mais natural é fazerem-nos o mesmo. Tal como nós, eles querem conduzir o carro para onde lhes apetecer, e como toda a gente que já esteve numa autoestrada sabe, esta falta de preocupação individualista acaba por correr mal para todos.
Da mesma forma que precisamos de um código da estrada para fornecer ordem e garantir que todos chegam aos seus destinos de forma “livre” e em relativa segurança, também a liberdade de expressão, se é para ser um “bem comum” e não apenas o privilégio de um grupo poderoso, requer normas que garantam que a liberdade seja para todos.
Na Universidade de Texas o reitor fez um comunicado a elencar os direitos e os deveres dos membros da comunidade. Entre os direitos está o de “manifestação pacífica”, “entregar folhetos e brochuras” e “convidar oradores para discursar nas áreas comuns”. Mas esta liberdade está acompanhada de responsabilidade. Por isso os indivíduos, disse o reitor, estão proibidos de interromper as operações da universidade, incluindo, mas não limitado a:
Fazer barulho que interfira com a aprendizagem, ensino ou outros actos oficiais; bloquear entradas, saídas e passagens; apelos a comportamento ilegal e vandalismo.
Acampar ou tentar acampar na propriedade da universidade (incluindo trazer tendas para o campus ou dormir na propriedade da universidade, com ou sem tenda, depois das 22h).
Recusar identificar-se perante os responsáveis da universidade ou as forças da autoridade.
Recusar cumprir com as orientações dadas pelos responsáveis da universidade ou as forças da autoridade.
Usar colunas de som sem aprovação prévia.
Utilizar máscaras ou disfarces.
Coagir alunos, seguindo-os quando se afastam dos protestos.
Os campus universitários em todo o país ficariam bem melhor se publicassem essas regras e as fizessem cumprir. Os alunos ficariam bem melhor se as cumprissem de forma respeitosa em vez de gritar como criancinhas para as câmaras quando forem levados à força pela polícia por violar regras simples. Esse tipo de teatralidade política não passa de uma tentativa de chantagem emocional. Não faz nada pelo povo palestiniano, mas torna o público americano mais cínico sobre actos de supressão governamental e brutalidade policial.
O Governo é perfeitamente capaz de ser coercivo na supressão de discurso que não lhe agrada, e temos tido muitos exemplos disso recentemente. Mas as turbas não são uma manifestação da autoridade democrática, são só mais um exemplo de tirania, e é por isso que ambos se podem encontrar no mesmo espaço, entre as mesmas pessoas.
Das duas uma, ou ensinamos aos nossos filhos as capacidades e autodisciplina necessárias para viverem num Estado democrático, enchendo-os da fé e do amor necessários para o preservarem, ou perdemos um privilégio ganho com grande sacrifício. Os católicos devem estar na linha da frente no que toca a educar os seus filhos para este tipo de discurso e diálogo civil. Assim comprovarão aquilo que Santo Agostinho defende em A Cidade de Deus: Os católicos não são estrangeiros perigosos. Pelo contrário, a sua fé cristã torna-os cidadãos melhores.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 14 de Maio de 2024)
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