Devia rezar mais. E sei que preciso de ser melhor pessoa.
Agora que sou católico, acredito que existe uma relação importante entre a oração e ser uma pessoa melhor. Mas enquanto católico também não acredito que tornar-me uma pessoa melhor é algo que Deus pode fazer por mim, sem a minha colaboração. Preciso de fazer a minha parte. A minha parte é possível pela graça de Deus, mas a graça de Deus não contraria o meu livre arbítrio, nem tem efeito sem os meus esforços. A graça, já dizia São Tomás de Aquino, não contraria a natureza, mas aperfeiçoa-a.
Por isso preciso de rezar e trabalhar para desenvolver as virtudes. Estas não são coisas mutuamente exclusivas, mas sim inclusivas. Rezamos por mais virtude. E quando sentirmos um pouco da liberdade que advém de ter desenvolvido um pouco essa virtude, voltamos os olhos para o Céu, como se estivéssemos a olhar para o médico que acabou de colocar o nosso ombro deslocado no sítio, e dizemos: “Obrigado Senhor, está muito melhor agora.”
Segundo o entendimento católico da graça, seria um erro imaginar que faço algo de verdadeiramente caritativo, verdadeiramente bom, separado da graça de Deus, ao ponto de poder olhar para Deus e dizer: “Vê como sou bom! Olha o que eu fiz! Mereço o teu respeito!” Isso seria como uma criança que pede dinheiro ao pai para lhe poder comprar um presente do Dia do Pai – e depois pede-lhe uma retribuição por lhe ter comprado o tal presente. Tudo o que temos vem de Deus. O que Deus quer de nós é que amemos a nossa abençoada e santa mãe, e que nos demos bem com os nossos irmãos e irmãs.
E seria também um erro imaginar que podemos depender apenas da piedade, sem virtude. Um alcoólico não pode dizer: “Bem, eu rezo o terço todos os dias, por isso não preciso de ir às reuniões dos Alcoólicos Anónimos.” Isso seria um erro grave. Quem frequenta os Alcoólicos Anónimos sabe que a sua sobriedade depende de uma “força maior”. Mas sabe também que precisa de fazer a sua parte e ir às reuniões. Não é um ou outro, são ambos.
Por isso também seria um erro pensar: “Eu tenho uma grande devoção a Nossa Senhora, visito o seu santuário com regularidade, por isso não preciso de me esforçar no meu casamento.” Fico sempre triste e confuso quando vejo católicos devotos e piedosos simplesmente a largar os seus esposos e a dizer algo como: “As coisas simplesmente não estavam a funcionar”, ou “eu tenho direito a ser feliz”, tal como diria qualquer não católico ou não cristão. A piedade não substitui a virtude. Rezar o terço é óptimo, mas não faz qualquer sentido recitá-lo e depois tratar mal os empregados, ou apoiar o aborto. É como dizer que se ama a mãe e depois empurrá-la pelas escadas abaixo.
Entre os evangélicos encontramos muitas pessoas que dizem que dedicaram toda a vida a Jesus, e que até acreditam ser o caso, mas que continuam a embebedar-se e a enganar os esposos. Só porque alguém “dedicou a vida a Jesus” um dia, num chamamento na Igreja, não significa que todas as tentações vão desaparecer como que por milagre, ou que passará a ser cuidadoso e responsável, de uma forma que nunca foi antes.
A fé não é um passo de magia. Não é uma varinha mágica que nos toca e nos transforma de sapos em príncipes. A graça de Deus funciona ao ritmo de Deus. Ele salvou os israelitas da escravatura no Egipto, mas foram precisos quarenta anos até conseguirem entrar na Terra Prometida. Entretanto, foi preciso trabalhar, sacrificar e prepararem-se. Foi preciso adorarem no tabernáculo no deserto e combater os seus inimigos. Foram anos de luta. Mas Deus esteve sempre com eles.
Santo Agostinho não se teria tornado o grande pregador e bispo que se tornou, se não tivesse trabalhado incansavelmente para desenvolver as suas capacidades de retórica. E São Tomás não teria escrito a Summa se não tivesse passado horas a estudar.
Há quem diga: “Reza como se tudo dependesse de Deus, mas age como se tudo dependesse de ti”. Eu prefiro dizer que devíamos agir sabendo que, se queremos ser melhores, Deus já está a operar em nós, e rezar sabendo que Deus não trabalha em nós sem nós.
Se queremos a ajuda e a graça de Deus, Ele no-la dará. Mas isso não nos transforma de um dia para o outro. Não é que isso nunca aconteça, mas se não acontecer não percam a esperança. É pela fé, e não pela visão que devemos caminhar, tal como fez Abraão quando partiu, sabe-se lá para onde, e tal como fez Maria quando o anjo lhe disse coisas que ela não conseguia compreender.
Mas se fizermos a nossa parte e rezarmos sem cessar, Deus ajudar-nos-á a desenvolver as virtudes. Mas se não fizermos a nossa parte no desenvolvimento das virtudes, não podemos esperar que Deus o faça miraculosamente quando chegar a altura.
Se fumar dois maços de tabaco por dia, Deus poderá salvá-lo da doença, mas lembre-se que “não porás o Senhor teu Deus à prova”. Não pode dizer: “Deus, agora vou fazer uma coisa perfeitamente autodestrutiva, e mais tarde espero que me venhas salvar”. Ou, “Não me vou disciplinar para desenvolver as virtudes da prudência, temperança, coragem e justiça. Não farei por ser outra coisa que não mimado, arrogante, guloso e malicioso. Farei tudo em contrário da sabedoria e da orientação de Deus, mas ainda assim quero que Deus me ajude a florescer”. Não pode esperar alcançar a felicidade celeste se viver uma vida infernal.
Deus consegue transformar a água em vinho, mas não consegue fazer florescer criaturas criadas para o amor desinteressado se elas se recusarem a ser transformadas por esse amor.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 30 de Abril de 2024)
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