“Elementarz etyczyny” (“Introdução à Ética”) é uma parte subvalorizada da obra pré-papal de Karol Wojtyla. E isso é pena, porque diz muita coisa que faz falta ouvirmos hoje. Trata-se de uma colecção de vinte ensaios – artigos de opinião, na verdade – que ele escreveu entre 1957 e 1958 para o jornal católico de Cracóvia, “Tygodnik Powszechny”. Os textos lidam com uma série de questões filosóficas, desde a fonte da moralidade até ao papel da luta na ética social, do ascetismo à compatibilidade entre a ética cristã e um verdadeiro humanismo. Muitos dos ensaios são alfinetadas cristãs contra os postulados do marxismo, embora uma boa parte também critique Kant, cuja ética era levada bastante a sério em muitas partes da Europa naquela altura.
As premissas filosóficas orientam a cultura, e Wojtyla examinou várias que eram frequentemente invocadas na Polónia comunista. Mas o futuro Papa também identificou uma verdade mais profunda, de que a filosofia pode encaminhar (ou desencaminhar) uma cultura. E por isso – ao contrário de quem descarta o acto de “filosofar” como uma abstracção e desperdício de tempo – demonstrou que a filosofia, a verdadeira filosofia, vale bem o tempo e o esforço.
Muitos dos ensaios exploram uma experiência humana básica: a experiência da obrigação. Todos nos sentimos “obrigados” para com algo ou alguém a uma dada altura da nossa vida. Que significado, que sentido, é que esta experiência tem?
Wojtyla observou que todos temos a experiência de que há coisas que devemos fazer e coisas que não devemos fazer. E acrescenta outra coisa que todos experimentamos: algumas das coisas que devemos fazer, não fazemos; e algumas das coisas que não devemos fazer, fazemos.
O seu objectivo é de insistir que o homem não é o autor, ou o co-criador de normas morais. Se isso fosse verdade, argumenta Wojtyla, o homem poderia dispensar as regras por si criadas. Mas todos temos a experiência de que o nosso sentido de obrigação perdura mesmo quando caímos na tentação vã de nos dispensarmos dessas regras morais. Isso sugere que nós não somos a origem dessas normas morais, nem do sentido de obrigação que delas flui.
Wojtyla escrevia num contexto particular; o seu adversário imediato era o oxímoro da “moralidade socialista”. Mas as suas observações continuam a ser muito pertinentes para a nossa condição actual nas sociedades livres do Ocidente. Deixem-me propor três aplicações contemporâneas relevantes.
Em primeiro lugar, o sentido de obrigação a que Wojtyla se refere não é um fenómeno condicionado pelo tempo e pela cultura, próprio apenas de algum povo preso por detrás da Cortina de Ferro, uma ou duas décadas depois da Segunda Guerra Mundial. Qualquer pessoa honesta consigo mesma terá de admitir que a experiência que Wojtyla analisa é universal: todos os seres humanos, numa dada altura da sua vida, pensam: “eu devo fazer isto”, mesmo quando não o querem fazer. Mesmo quando admitem que não conseguem fugir a essa exigência.
Mas essa experiência contrasta directamente com as muitas variantes de “autonomia” que as sociedades ocidentais tanto louvam. O sentido de uma obrigação que me é imposta, e da qual não sou o autor, desafia todas as reivindicações de um “direito” a “definir o sentido, o universo, a vida humana”. E desafia, por isso, todos os projectos que se baseiam na premissa dessa moralidade autoconstruída, “ética autónoma”, “autodefinição”, ou visão subjectiva de normas morais que não estão ancoradas em nada de objectivo.
Uma análise mais profunda da verdade dessa visão salvar-nos-ia não só de muitos slogans superficiais, mas especialmente de políticas desastrosas mascaradas de “pensamento” profundo – as leis e expectativas culturais que derivam desses dogmas. E essa análise não requer uma abordagem ética profunda ou académica. Basta que examinemos uma experiência comum e básica: “Eu devo”.
Em segundo lugar, não obstante as nossas tentativas de nos convencermos em contrário, ou de tentarmos dispensá-lo com a nossa vontade “autónoma”, a irritante persistência do sentido de “obrigação” conduz a outra experiência: responsabilidade. Se, em boa fé, eu compreender que não consigo dispensar-me desse sentido de obrigação através da razão, e que continuo a sentir-me responsabilizado pelas suas exigências, isso significa que tenho uma responsabilidade perante ele. A responsabilidade não é criação minha porque – tal como a obrigação – se fosse verdadeiramente obra minha, poderia dispensá-la, mas não consigo.
Sinto que a responsabilidade não vem de mim, mas da obrigação, e que me responsabiliza, talvez mesmo contra a minha vontade.
A responsabilidade não é, então, apenas um jugo autoassumido, a marca do agente moralmente maduro, mas autónomo. Mesmo que eu não os assuma por uma questão de princípio, reconheço que existem “deveres” que me responsabilizam. A responsabilidade não é, por isso, apenas uma questão de escolha.
Isso conduz-nos a uma terceira perspectiva, que é especialmente valiosa nos nossos dias: o valor da culpa. Ao contrário do que se apregoa hoje em dia: “a culpa pode ser boa”. Isso não significa que é boa quando se torna paralisante ou obsessiva, mas significa que nem todas as manifestações de culpa são paralisantes ou obsessivas.
A culpa nem sempre é patológica, algo para reprimir ou da qual fugir. Os humanos sentem uma obrigação – um “dever” – que os responsabiliza. Também têm a experiência de não serem responsáveis, de não terem feito o seu “dever”, ou de terem feito o que “não devem”. Aí a responsabilidade não autoimposta assume uma nova forma: culpa. Eu falhei na minha responsabilidade, traindo a minha obrigação. Essa experiência não é apenas má, porque revela uma responsabilidade para com o bem que é independente da minha vontade.
Em termos tradicionalmente católicos, reconhece a consciência. A consciência é uma fonte da orientação moral antes de agirmos e de juízo depois de agirmos. A consciência é um sentido saudável de reconhecimento de que nem todos os meus actos se adequam ao que “devo” fazer, e que sou responsável pelos falhanços. É saudável porque reconhece que os primeiros princípios estão radicados fora da minha vontade soberana: “deve fazer-se o bem e evitar-se o mal”.
A análise de Wojtyla da obrigação está certamente alinhada com uma ideia católica mais antiga de consciência, mas é nova no sentido em que obriga toda a gente a lidar com as implicações de experiências primordiais e humanas universais – de que temos obrigações que nos responsabilizam e em relação às quais podemos falhar – o que conduz a um estado de coisas que requer reparação. Enquanto experiência humana comum, serve de âncora para a moralidade, independentemente de quaisquer compromissos religiosos.
Não será essa uma necessidade muito relevante para o Ocidente nos nossos dias?
John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey. As opiniões expressas neste texto são apenas suas.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Terça-feira, 23 de Abril de 2024)
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