Em 2016 fui desafiado para moderar um debate sobre o filme “Silêncio”, de Martin Scorcese, que acabara de ser lançado. O debate seria no Porto, e um dos oradores era o padre Zé Maria Brito, natural do Porto mas a viver em Lisboa.
Para dividir despesas, combinámos ir juntos. Não sei se nos tínhamos conhecido bem, ou de todo, antes dessa data, não me lembro. Lembro-me que encarei a viagem com alguma preocupação. E se ele fosse um enorme chato? Seriam três horas de viagem infernais? Enchi-me de coragem, fui buscá-lo e lá fomos nós.
Seguiram-se três das mais interessantes horas que me lembro de passar. Conversámos sem parar sobre tudo e mais alguma coisa. Apesar de não nos conhecermos bem, recordo que falámos com um à vontade impressionante, sobre temas difíceis. Claro que não me lembro dos detalhes todos, mas recordo que foi nesse dia que ele partilhou comigo que ainda criança tinha perdido um irmão mais velho, e que tinha feito parte de uma juventude partidária antes de ir para jesuíta.
Depois dessa viagem mantivemo-nos em contacto. Falámos muitas vezes e estivemos muitas vezes juntos. Pedia-lhe muitas vezes conselhos para textos que estava a escrever, e ele acedia sempre, de forma muito útil. Acompanhei a mudança da sua missão de Lisboa, onde era o responsável pela comunicação da Companhia de Jesus, para Évora; estávamos em perfeita sintonia no que diz respeito a causas importantes como a dos abusos na Igreja, e falámos frequentemente e longamente sobre o assunto; e mais recentemente, na Jornada Mundial da Juventude, estávamos os dois a comentar, para canais diferentes, e partilhámos muitas ideias e sugestões.
Desde então penso que não nos vimos mais, mas liguei-lhe algumas vezes. É que o Zé Maria era daqueles raros padres que atende sempre o telefone, ou quando não consegue, devolve a chamada. Pelo menos era assim comigo, e vali-me disso algumas vezes.
A mais recente foi no sábado passado, por causa de um assunto relativamente insignificante. Perguntei-lhe como estava, respondeu que bem. Mal sabia, mal sabíamos, que afinal não estava nada bem mesmo. Morreu na noite seguinte de uma doença que se tinha espalhado sem ninguém perceber.
Que faço eu a escrever mais um texto sobre o Padre Zé Maria? Percorro as minhas redes sociais e parece que uma em cada duas pessoas lhe está a prestar homenagem, a partilhar memórias. Todos concordam em duas coisas: faz-nos muita falta e era um homem bom. E olhem que essa do homem bom não é um cliché, uma frase feita que se diz sem pensar. Ele era mesmo um homem genuinamente bom. Pelo menos aos nossos olhos era, e acredito genuinamente que aos de Deus, que vê mais fundo do que nós, também fosse.
Muitas dessas pessoas conheciam-no bem melhor que eu. Hesitei em escrever estas linhas precisamente porque não quero dar a ideia de que o conhecia melhor do que na realidade conhecia, que era de alguma forma íntimo dele, que não era.
Na verdade, há muita gente mais bem posicionada do que eu para tecer elogios ao Zé Maria. Muitos já o fizeram. Mas sei que muitos outros não têm como; ou não têm jeito para escrever; ou não têm quem leia e acham que não vale a pena.
E por isso eu, que tenho quem me leia, que tenho onde escrever e que até sei juntar umas palavras numa página, sinto que não posso deixar esta oportunidade de deixar registado o que me vai na alma.
E o que me vai na alma é que perdemos um homem bom e não compreendo como é que Deus deixou que isso acontecesse.
Não compreendo como é que Deus levou dois filhos dos mesmos pais, com a mesma doença.
Não compreendo porque é que não lhe foram dados mais anos, para tocar mais vidas, converter mais corações.
Mas sei que estas coisas não são para se compreender, são para se aceitar de joelhos, em oração, repetindo as palavras de Job: O Senhor no-lo deu, o Senhor no-lo tirou, bendito seja o nome do Senhor.
Acho que o Zé Maria gostaria de nos ver assim, nessa postura de submissão, aceitando o mistério. Talvez tenha sido essa a sua última grande missão.
Obrigado amigo. Bom amigo. Homem bom. Homem de Deus. Obrigado por tudo.
Admirava-o muito. A mãe é grande amiga da minha família. Enorme perda. Que Deus conforte seus familiares e amigos.
Um homembom que fica a fazer imensa falta! Faço minhas as suas palavras Filipe. Obrigada por dizê-las… É difícil compreender os desígnios do Senhor neste caso como em tantos… mas neste é mesmo tão doloroso! É para ir aceitando, se Deus o permitir…