Muitos cristãos vêem a ascensão do Cristianismo como um fenómeno milagroso e espetacular. Na imaginação popular, os primeiros discípulos de Cristo viajaram pelo mundo conhecido, proferindo homilias cativantes, ressuscitando corpos, levando a cabo exorcismos em massa e baptizando pagãos aos milhares. E mesmo quando os imperadores romanos torturavam e crucificavam cristãos, como faziam periodicamente, quase todos morreram alegremente como mártires.
Embora haja alguma verdade nestas ideias, a história é mais complexa. A obra clássica do já falecido Rodney Stark, The Rise of Christianity, cheia de factos e investigação académica, revela que o crescimento do Cristianismo primitivo foi um assunto muito mais prosaico. A conversão do Império Romano foi um fenómeno mais demográfico e social do que teológico. As famílias cristãs aguentaram um crescimento sustentado ao longo dos séculos, enquanto as famílias pagãs foram diminuindo até à irrelevância.
Esta premissa não deve abalar a nossa fé nas origens milagrosas do Cristianismo. Como Stark explica, de forma detalhada, tudo isto revela uma harmonia de circunstâncias belíssima, que tem todas as marcas da divina providência.
Aliás, a verdadeira história da expansão do Cristianismo é bastante instrutiva – e replicável – para os cristãos actuais. Embora seja sempre aconselhável rezar por mais intervenções do Espírito Santo, os cristãos devem reconhecer como é que a evangelização costuma funcionar. Ironicamente, a melhor pessoa a fazê-lo foi Stark, um sociólogo agnóstico.
Depois de explicar a sua metodologia e formação, ele começa com um argumento de simples matemática. Desde meados do primeiro século até meados do quarto, a comunidade cristã aumentou de algumas centenas de seguidores até quase metade do império. Durante estes três séculos, conclui Stark, a Igreja cresceu a um ritmo de 40 porcento por década. Isto bate certo com os estudos de Stark sobre a Igreja dos Santos dos Últimos Dias (Mórmones), que também cresceram de um pequeno grupo em Nova Inglaterra no início do Século XIX até à organização global de mais de dez milhões que existe hoje.
Stark passa então a explicar porque é que o Cristianismo cresceu a um ritmo tão acelerado, e quem foram os primeiros convertidos. Em primeiro lugar, desmonta a ideia de que os primeiros cristãos eram proto-marxistas por detrás de um movimento que apelava às massas. Os dados disponíveis indicam que os primeiros cristãos tinham uma educação superior à média. “É preciso ter um certo grau de privilégio para ter a sofisticação necessária para compreender uma nova religião e reconhecer a sua necessidade”.
Quem eram, então, estes romanos privilegiados? Desfazendo mais um preconceito popular, Stark explica que se tratavam sobretudo de judeus de cultura grega que viviam na diáspora. Embora tratados como antagonistas nos Evangelhos, e por alguns dos autores cristãos primitivos, na verdade eles foram os grandes protagonistas dos primeiros tempos na Igreja. Muitas sinagogas serviram de incubadoras para as primeiras comunidades cristãs. Isto está documentado, e Stark chega a sugerir que a inclusão do Antigo Testamento na Bíblia cristã, e a derrota da heresia marcionista, que apenas reconhecia o Deus do Novo Testamento, mostram que o Cristianismo não era essencialmente um movimento gentio, mas judeu.
Era também um movimento feminino, com as mulheres a compor a grande maioria dos primeiros convertidos. Considerando a cultura misógina do Império Romano, isto é compreensível. Por causa do infanticídio selectivo de raparigas, abortos mal sucedidos e a inexistência de cuidados de saúde femininos, havia muito mais homens do que mulheres. A disparidade correlacionava com a objectificação das mulheres e a promiscuidade dos homens, a maioria dos quais não cumpria a expectativa de casar e ter filhos.
O Cristianismo, pelo contrário, elevou o estatuto tanto de homens como de mulheres, que deixaram de ser tratados como objectos a explorar, mas antes como filhos de Deus merecedores de respeito e reverência. Uma vez que havia mais mulheres do que homens nas congregações cristãs, muitas delas acabavam por casar fora da Igreja, convertendo os seus maridos pagãos e criando os seus filhos na fé.
Como é de esperar, estes casais cristãos tinham muito mais filhos que os pagãos, uma diferença que se foi tornando mais significativa com cada geração. Stark também demonstra como esta cultura da vida contribuía para a resiliência das comunidades cristãs durante as epidemias. Enquanto os pagãos, como o grande médico Galen, fugiam para o campo quando havia pragas, os cristãos forneciam cuidados básicos de saúde a todos, o que por sua vez servia de testemunho poderoso para os não-cristãos e contribuía para expandir as redes cristãs.
Por fim, Stark discute o contexto físico da ascensão do Cristianismo, que normalmente ocorria nas maiores cidades do império. Não estamos a falar de locais organizados com colunas e fóruns ordenados, recheados de homens de toga branca imaculada, como vemos nas representações dos pintores renascentistas. Antes, as cidades romanas estavam sobrelotadas, sujas, desorganizadas e divididas por facções. Na sua descrição de Antioquia, um dos primeiros polos do Cristianismo, Stark sublinha que o Cristianismo “serviu de movimento revitalizante que cresceu em resposta à miséria, caos, medo e brutalidade da vida no mundo urbano greco-romano.”
Paradoxalmente, a desmistificação que Stark faz da divulgação do Cristianismo nos primeiros séculos leva-o a concluir que existe algo de verdadeiramente especial na doutrina cristã e na fé subsequente dos mártires que permitiu suster um crescimento consistente. “Creio que foram as suas doutrinas religiosas particulares que permitiram a esta religião tornar-se um dos mais bem-sucedidos movimentos de revitalização da história”. É o mais próximo que Stark chega da crença na sua análise, mas os leitores crentes facilmente identificarão aqui a verdade de Deus.
E é importante que o façam. Existem muitos paralelos entre o Ocidente pré e pós-cristão. E as mesmas virtudes que permitiram ao Cristianismo trazer a ordem para o caos envolvente poderiam funcionar hoje.
Sem dúvida que existem ideias diferentes sobre como voltar a evangelizar o mundo, e sobre se devemos mudar alguns dos ensinamentos da Igreja para acomodar os públicos modernos, mas uma coisa deve manter-se consistente: os cristãos devem manter a fé e preservar a cultura da vida. Os milagres seriam bem-vindos no curto prazo, mas a longo prazo o que pode converter o mundo é o compromisso estável com a verdadeira fé nos assuntos do dia-a-dia.
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Auguste Meyrat viva em Dallas e é professor de inglês. É formado em humanidades e em liderança educacional. É editor executivo de The Everyman e já publicou artigos no The Federalist, The American Thinker, e The American Conservative bem como no Dallas Institute of Humanities and Culture.
Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 6 de Março de 2024)
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