
Há cinco anos o Papa Francisco convocou para Roma um “Encontro sobre a Protecção de Menores na Igreja”. Tratou-se da primeira – e até hoje, única – cimeira do género e reuniu quase 200 participantes, na maioria bispos, incluindo os presidentes de todas as 114 conferências episcopais, com a intenção de confrontar de forma “decisiva” a crise de abusos sexuais na Igreja Católica.
Nessa altura a Igreja global estava abalada por uma série de grandes escândalos envolvendo o abuso sexual clerical e a má gestão de alegações contra clérigos, incluindo bispos. O principal destes casos era o de Theodore McCarrick. Mas mesmo antes das primeiras notícias sobre McCarrick, em 2018, um conjunto de casos mediáticos tinha posto em destaque a forma como a Igreja lidava com os abusos.
Cinco meses antes de serem conhecidas as notícias sobre McCarrick nos EUA, a visita do Papa Francisco ao Chile e ao Peru ficou ensombrada pela embaraçosa polémica envolvendo o bispo Juan Barros. Em 2015 o Papa tinha nomeado Barros bispo de Osorno, no Chile, apesar das objecções por parte de bispos chilenos que se mostraram preocupados com as suas falhas a lidar com acusações contra o notório abusador (e antigo mentor de Barros), Pe Fernando Karadima.
Em declarações à imprensa, o Papa denunciou os críticos de Barros, acusando-os de calúnia e insistindo que nunca tinha visto qualquer prova sobre ele. Rapidamente teve de pedir desculpa e retratar-se depois de o próprio chefe da Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores, o cardeal Sean O’Malley, de Boston, ter contrariado publicamente essa narrativa. Em menos de uma semana o Santo Padre tinha feito inversão de marcha e mandou para o Chile um investigador especial. Dentro de poucos meses tinha na mão não só a resignação de Barros, mas de todos os bispos no Chile.
Antes de Barros houve o caso do bispo Gustavo Oscar Zanchetta. Amigo do Papa Francisco, dos seus tempos na Argentina, Zanchetta tinha sido uma das suas primeiras nomeações depois de ter sido eleito Papa em 2013, mas aguentou-se pouco mais de dois meses na sua diocese até que alegações – desde má gestão financeira à posse de pornografia no telemóvel, passando por abuso sexual de seminaristas – o puseram em sarilhos. Francisco chamou-o para Roma para, segundo se diz, mantê-lo debaixo de olho, embora existam outras opiniões.
Em Junho de 2019 Zanchetta foi acusado pelas autoridades argentinas de abusar sexualmente de seminaristas. Na altura Francisco disse à imprensa que estava previsto um julgamento canónico para Zanchetta. O seu julgamento civil foi adiado por causa da Covid, mas terminou com uma condenação em 2022. Até hoje não se sabe mais nada sobre o estado do julgamento canónico.
Depois, temos o caso do Pe Marko Rupnik, o conhecido artista e ex-jesuíta que é acusado de abuso espiritual, físico, psicológico e sexual de mais de duas dúzias de mulheres ao longo de várias décadas. Rupnik foi excomungado, reinstituído, expulso dos jesuítas e depois, estranhamente, incardinado numa nova diocese, onde se mantém como padre sem restrições. Só depois de muita revolta pública por parte das vítimas é que o Papa Francisco concordou em levantar o prazo de prescrição para que Rupnik pudesse ser julgado canonicamente. Presume-se que esse processo esteja a decorrer.
A cimeira de 2019 conduziu a muitas mudanças – o levantamento do segredo pontifício para certos casos, a reconfiguração da Curia e alterações na forma como se lidam com os casos de abuso sexual em Roma. Mais significativamente, levou à promulgação do Vos estis lux mundi, que regula procedimentos para lidar com alegações de abusos e de negligência por parte de bispos.
Um olhar sobre estes três casos – Barros, Zanchetta e Rupnik – levanta preocupações sobre exactamente o que é que mudou nos cinco anos desde a cimeira convocada pelo Papa. O caso de Barros antecede a cimeira de 2019, o de Zanchetta coincide com a cimeira e as reformas subsequentes e o caso de Rupnik – embora não os alegados abusos – surgiu depois da cimeira. Porém, não parece ter havido grandes diferenças na forma como cada um dos casos foi tratado.

Uma reportagem recente da Associated Press lançou um olhar crítico sobre as persistentes falhas na forma como a Igreja processa as alegações de abusos. “Cinco anos mais tarde, não obstante novas leis para responsabilizar bispos e promessas de fazer melhor, o quadro jurídico interno e a resposta pastoral para com as vítimas têm-se mostrado incapaz de lidar com o problema”.
Uma parte significativa do artigo da AP foca a falta de consistência processual e de transparência em Roma. Continua a existir uma frustrante falta de noções básicas de responsabilização, como reconhecer a recepção de uma alegação; indicar o estado de uma investigação; anunciar as conclusões; divulgar os veredictos de casos particulares e publicar a jurisprudência. Outras preocupações prendem-se com a capacidade da Cúria (em particular o Dicastério para a Doutrina da Fé) em lidar com a quantidade de casos, tendo em conta actuais limites de orçamento e de recursos humanos.
Mas estes desafios processuais e práticos são relativemente menores quando comparados com o desafio maior que a Igreja e este pontificado em particular enfrentam.
No seguimento da Cimeira de 2019 escrevi o seguinte:
O Papa Francisco faz bem em estar de pé atrás em relação a “remédios” legalistas e burocráticos para aquilo que é fundamentalmente uma crise moral e espiritual. Mas dado tudo o que sabemos sobre como se tem lidado com os ilícitos dos padres nas últimas décadas, há razões para questionar se esta abordagem pastoral altamente personalizada e ad hoc do Papa Francisco para com bispos errantes é o modelo mais prudente para a Igreja hoje. O tempo dirá.
Cinco anos mais tarde essas preocupações permanecem. A solicitude pastoral para os pecadores (acusados), por mais que seja uma parte central da missão da Igreja, não é de forma alguma incompatível com, menos ainda substitui, a administração rigorosa e imparcial de justiça. A transparência é uma necessidade pastoral. A aplicação imparcial de uma boa lei, é uma necessidade pastoral.
No mundo actual não há qualquer quantidade de boa-vontade que possa sobrepor-se ao escândalo criado pela aparência, sequer, de parcialidade. A administração equilibrada de justiça é necessária para proteger acusados, acusadores e os incontáveis milhões que se escandalizam com uma Igreja que parece repetir os mesmos erros uma e outra vez.
Nesse campo, a Igreja tem ainda um longo caminho para percorrer.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na quinta-feira, 22 de Fevereiro de 2024)
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