Recebi de conhecidos este manifesto, escrito a propósito das próximas eleições. Partilho com todo o gosto, por se enquadrar com o tema do blog mas também porque o acho sensato e pertinente, concordando com o conteúdo. Se também concordam, partilhem.
“A vida partidária rege-se por critérios que não condizem com o meu modelo de vida, não me interessa. Não participo, se calhar nem voto. São todos iguais e ninguém faz nada de diferente, nem melhor.”
Quantas vezes não ouvimos este sentimento expresso? Não posso, como cristão, desistir sem que tal implique um confronto sério comigo próprio – um profundo exame de consciência sobre a forma como ponho em prática aquilo que digo ser. O primeiro resultado deste exame só pode ser a vontade de VOTAR e o dever de VOTAR. Se tudo começa aqui, como fazer mais? E melhor?
O QUE NOS DIZEM OS PAPAS
São Paulo VI – “A política é uma maneira exigente – se bem que não é a única – de viver o compromisso cristão, ao serviço dos outros. Sem resolver todos os problemas, naturalmente, a mesma política esforça-se por fornecer soluções para as relações dos homens entre si”, de modo que o bom exercício da política ajuda e é ponte para a prática da caridade (Octogesima adveniens, Maio de 1971).
Na encíclica Populorum progressio, em 1967, São Paulo VI já alertava a respeito da urgência de os Estados e as pessoas fazerem bom uso dos recursos de que dispõem: “Quando tantos povos têm fome, tantos lares vivem na miséria, tantos homens permanecem mergulhados na ignorância, tantas escolas, hospitais e habitações, dignas deste nome, ficam por construir, torna-se um escândalo intolerável qualquer esbanjamento público ou privado, qualquer gasto de ostentação nacional ou pessoal, qualquer recurso exagerado aos armamentos” (#53).
Os cristãos que ocupam funções públicas são chamados, de forma especial, na sua ação política a encontrar “uma coerência entre as suas opções e o Evangelho e, dentro de um legítimo pluralismo, por dar um testemunho, pessoal e coletivo, da seriedade da sua fé, mediante um serviço eficaz e desinteressado para com os homens” (Octagesima adveniens, #46).
São João Paulo II – “Para os cristãos de hoje, não se trata de fugir do mundo onde o chamamento de Deus os colocou, mas de dar testemunho da própria fé e de serem fiéis aos próprios princípios nas situações difíceis e sempre novas que marcam o mundo da política.(…) Como cristãos que vivem nestes tempos difíceis, mas maravilhosos, compartilhamos os medos e as incertezas dos nossos contemporâneos. Mas não somos pessimistas quanto ao futuro, pois temos a certeza de que Jesus Cristo é o Senhor da História e no Evangelho encontramos a luz, mesmo nos momentos de dificuldade e escuridão.”
Papa Bento XVI – “Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem um valor superior ao do empenho simplesmente secular e político. A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana” – mensagem aos participantes da XXIV Assembleia Plenária do Pontifício Conselho para os Leigos, Maio 2010.
Papa Francisco – “Sim, faço política, porque todos devem fazer política. E o que é política? Um estilo de vida para a polis, para a cidade. O que eu não faço, nem a Igreja deve fazer, é política partidária. Mas o Evangelho tem uma dimensão política, que é a de transformar a mentalidade social, também religiosa, das pessoas”, para que seja orientada para o bem comum. Atualmente muitos possuem uma má noção da política; por trás deste facto estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos. Mas o mundo não pode funcionar sem política, pois não pode haver fraternidade universal sem uma boa política” (O Pastor – Desafios, razões e reflexões de Francisco sobre o seu pontificado, Francesca Ambrogetti, Sergio Rubin.)
SOMOS CHAMADOS! COMO RESPONDEMOS?
No medo de nos “contaminarmos” com o estado da política actual, olhamos para o lado para não ver quem precisa de nós. Tapamos os ouvidos para não ouvir quem nos chama a participar. Justificamo-nos dizendo que se a política fosse coisa séria, se não estivesse minada, aceitaríamos envolver-nos. E assim convivemos confortavelmente com a nossa demissão, que é uma abstenção, quanto ao papel dos cristãos como sal da terra.
Será que esta demissão ajuda a melhorar a prática partidária? Vamos deixar a política, o país que queremos, entregue, sem mais nada, nas mãos daqueles em quem não confiamos? O nosso lugar vazio será ocupado, e não teremos sequer legitimidade para nos queixarmos. Mas como podemos então votar naquilo que não é perfeito?
PARA VOTAR COM DISCERNIMENTO
1. Não há um partido dos cristãos. A Igreja sempre foi e continua a ser animada por uma enorme diversidade social, económica e até ideológica, de forma que há vários partidos que acolhem, pelo menos parcialmente, a sua doutrina social, sem que nenhum a cumpra plenamente A religião não é uma espécie de sistema de governação, candidata ao domínio do Estado.
2. Defender o Direito à Vida. Do primeiro momento em que ela se manifesta até ao último sopro de vida terrena. Isto é um dever para os cristãos. E temos de saber se aqueles em quem pensamos votar a isso se comprometem. A vida não é algo relativo, a que se possa ceder, permitindo acabar com ela antes do nascimento ou abreviá-la à beira da morte, consoante as nossas conveniências. Não podemos, porém, ignorar o sofrimento genuíno de muita gente, posta perante dilemas dolorosos, face a circunstâncias muito difíceis. Por isso devemos procurar chegar aos outros com delicadeza e compaixão, privilegiando o diálogo sereno, evitando a gritaria de surdos que só procura averbar efémeras vitórias. Mas não abdicando do que profundamente pensamos e praticamos, principalmente na hora de votar.
3. A preferência pelos pobres. A nossa classe média está muito longe do poder de compra da classe média espanhola, aqui ao lado, ou da classe média francesa ou alemã, aproximando-se cada vez mais da classe mais baixa. Os jovens qualificados, motor essencial de desenvolvimento da sociedade, emigram. E se isto é assustador e muito preocupante para o país, não podemos perder de vista que uma fatia da população cada vez maior não tem sequer acesso ao mais básico dos básicos (cerca de 20% dos portugueses vivem no limiar da pobreza ou em pobreza profunda e um bilião de seres humanos vive em condições de total miséria). O Papa convida-nos a revisitar o princípio do destino universal dos bens, como forma de enfrentar o desafio da pobreza, pondo em evidência a necessidade de políticas sociais, fiscais, laborais, educativas que tragam o homem para o centro das nossas preocupações e atenções. Sem ostracizar nem condenar os ricos só porque o são; mas convidando-os a colaborar nesta missão que é de todos e a todos pertence.
4. Honestidade fiscal. A honestidade fiscal é indissociável de uma visão solidária da sociedade. Não podemos pactuar com sistemáticas fugas ao fisco e manobras para o evitar, profissões bem remuneradas que escapam habilmente aos impostos, empresas que se mantêm a trabalhar anos a fio, apresentando sempre resultados convenientemente magros ou negativos, pagamentos de falsos ordenados mínimos com o resto “por baixo da mesa”. Aos governantes temos que exigir liberdade e equidade fiscal. Um imposto é uma forma de colaborar no bem comum, e não uma asfixia.
5. A Paz. Não devemos ceder à tentação de ir pelo caminho do apoio a políticas baseadas na força e no poder militar, quando ainda não se esgotaram alternativas para estimular a confiança e a proximidade entre os povos. Sejamos fiéis nesta matéria, aos ensinamentos do Papa que diz que “a guerra é sempre uma derrota da humanidade”.
6. A tentação do culto pessoal. Não há líderes messiânicos que resolvam todos os nossos problemas. Em vez de termos a tentação de os idolatrar mais ou menos cegamente, olhemos antes para o seu desempenho, para a forma como defendem e levam à prática as propostas que nos fazem.
7. A preocupação com as pessoas e problemas concretos e o combate férreo às novas censuras. A nova “cultura” do pensamento único pretende, a pretexto de defesa da igualdade, forçar igualdades que não existem nem são desejáveis. Esta cultura, wokismo, desconfia da história, da ciência, da biologia, da evidência, dividindo-nos entre opressores e oprimidos.E afinal, quem quer ser contra a justiça social e a libertação dos grupos oprimidos? No limite há um enorme auto-centramento em que só o “eu” interessa, só o “eu” conta, só o “eu” constrói o futuro. A consequência final é a incapacidade de aceitar a diferença e de se relacionar com ela, ouvindo o outro. No limite cancelou-se a democracia. Sejamos astutos, não podemos aceitar programas que vão por aqui.
8. Os migrantes– É nossa obrigação, como cristãos, acolher bem quem chega a Portugal em busca de melhores condições de vida, como tantos portugueses fazem quando emigram para outros países. Mas reconhecemos que o Estado tem obrigação de controlar as fronteiras e ter políticas de migração sustentáveis, até para defesa dos que cá chegam. É impossível aceitar a situação descontrolada de pessoas, nossas iguais em humanidade e dignidade, a viver em tendas, contentores e até carros, sem trabalho digno, sem uma habitação, nas mãos de máfias, ou exploradas por patrões sem escrúpulos. Sobretudo, uma política que permite morrerem milhares de pessoas a tentar chegar à Europa, nunca pode nunca ser aceite como cristã.
Estes são apenas alguns tópicos. Há todo um mundo de desafios que a participação política encerra para os cristãos. E não só desafios, mas também oportunidades de sermos construtores de uma sociedade justa e ética. Se não em cargos de participação activa na política governativa, pelo menos – e no mínimo – votando. E votando com consciência. E votando com coerência. E votando para somar. E votando para construir. De uma forma ou de outra, é disso que seremos chamados a prestar contas.
Subscritores iniciais
19/02/24
Adelaide Rebello da Silva Líbano Monteiro
Ana Alves da Silva
Ana Luísa Figueira
Ana Paula Belo
Ana Rita Centeno
Ana Teixeira de Sousa Crespo de Carvalho
António Crespo de Carvalho
António Esteves da Fonseca
Carlos Franco Falcão
Carlos Leiria Pinto
Catarina Câmara Pestana
Catarina Silva
Célia Gomes da Silva
Clara Alfaia
Cristina T.V. Quintino Rogado Moreira
Cristina Velozo
Diana Figueiredo
Diogo Trindade Henriques
Filipa Fernandes Thomaz
Filipe Abecassis
Frederico Braga
Gonçalo Manuel Vieira Godinho e Santos
Inês Cabral da Fonseca
Inês Parreira Beatriz Sousa
Isabel Athayde Cordeiro
Isabel Guerra Branco
Isabel Silva Pinto
Joana Freudenthal
Joana Nobre Leitão
João Pedro Morais da Silva Pinto
Jorge Mendes
Jorge Santiago
José Crespo de Carvalho
José Maria de Azeredo
Luis Cansado Carvalho
Luisa Batalha Ribeiro
Luisa Pinto Leite
Manuela Braga
Manuela Paçô
Margarida Machado Nunes de Azeredo
Maria Alvares
Maria da Luz Garrido Vaz
Maria do Carmo Cansado Carvalho
Maria Luisa Fonseca
Maria do Rosário Mourão
Maria do Rosário Santos Marques
Maria Gabriela Luna Pais
Maria Inês Oliveira Martins
Maria Isabel Falcão
Maria Margarida Melo de Silva Soares
Mariana Santos
Marta Lucena e Vale
Miguel Aparício
Miguel Centeno
Miguel Santana
Miguel Trindade Henriques
Orlando Marques
Pedro Perdigão Falcão
Raquel Ventura Rendeiro Galhardas
Rita Garcia
Rita Simões Cabral
Rui Fazenda
Rui Sepúlveda da Fonseca
Sérgio Peixoto
Sónia Figueira
Stella Lino
Susana M. Canhoto P. Abreu da Silva
Teresa Esteves da Fonseca
Vitor Gonçalves