Estamos em ano de eleições, e por isso devemos estar preparados para sermos bombardeados com mensagens muito importantes de celebridades sérias a recordar-nos, até à exaustão, da responsabilidade de exercer os nossos direitos de cidadãos, votando.
Ora, eu não sou contra as eleições. Nem sou contra a boa cidadania, os direitos ou sequer as responsabilidades. Na verdade, acho que todas essas coisas são boas e importantes. Admito que nutro uma ligeira desconfiança em relação a celebridades, que aumenta na mesma proporção da sua tendência de se levarem demasiado a sério. Então se começarem a entoar o “Imagine”, do John Lennon, a coisa pode mesmo dar para o torto.
Mas como dizia, é ano de eleições, e este, talvez mais do que noutros anos de eleições, promete expor-nos a níveis ainda mais altos de ridículo e de rancor. E isso faz com que seja ainda mais importante para os católicos pensar seriamente, não só sobre votar, mas sobre os direitos e responsabilidades e, em particular, sobre o que significa ser-se um bom cidadão.
Claro que para a maioria de nós, votar é a expressão mais concreta da nossa participação nas comunidades políticas a que pertencemos. Mas a realidade é que o trabalho da cidadania começa muito antes de qualquer um de nós se aproximar de uma urna. A maior parte do trabalho que fazemos para fortalecer e edificar – ou erodir e destruir – o bem comum das nossas comunidades políticas acontece longe das mesas de voto.
Em primeiro lugar, a cidadania tem a ver com o amor, isto é, com o desejo pelo bem de uma determinada comunidade, e a devida acção. Um bom cidadão ama a comunidade política a que pertence. Ama-a de forma ordenada quando se comporta de forma a colocar o bem da sua comunidade – o bem pleno, o bem comum – à frente dos seus interesses pessoais ou tribais.
O cidadão deve amar a sua comunidade política porque é sua, e não apenas em troca dos benefícios materiais que esta lhe possa conceder. O bom cidadão deve amar a sua casa o suficiente para desejar consertar aquilo que está estragado e preservar o que tem de bom. E os cidadãos que amem aquilo que é seu com um amor bem ordenado conseguirão transformá-lo em algo maior.
Se isto lhe parecer muito idílico, então considere-se o que Chesterton escreveu em “Ortodoxia”, sobre o bairro londrino de Pimlico:
Alguns leitores dirão que isto é mera fantasia. Eu respondo que se trata da história real da humanidade. Na verdade, é assim que as cidades se tornam grandes. Recuemos até às raízes mais longínquas da civilização e encontrá-las-emos envoltas em torno de uma pedra sagrada, ou de um poço santo. As pessoas começaram por honrar um ponto, e depois cobriram-no de glória. Os homens não amaram Roma por Roma ser grande. Ela foi grande porque eles a amaram.
Claro que nem todas as cidades que são amadas se tornam uma Roma. O ponto não é esse. O ponto é que nenhuma cidade ou país se torna grande, ou mantém a sua grandeza, sem ser amado. Por isso, um bom cidadão deve, em primeiro lugar, amar aquilo a que pertence.
Ninguém aprende a amar como deve ser sem antes aprender a distinguir correctamente o bem do mal. Isto pode até parecer evidente, mas um olhar rápido para este nosso país sugere que os nossos compatriotas estão profundamente divididos sobre as coisas que são boas (e por isso devem ser procuradas e amadas) e as que são más (e que por isso devem ser evitadas e desprezadas).
Uma das razões para a profunda divisão entre a natureza do bem e do mal na nossa sociedade é a erosão das instituições sociais que, de acordo com a razão e com a natureza, são tão necessárias para formar o carácter de um povo. Estou a pensar especialmente na família, mas o mesmo se aplica a muitas das nossas escolas e universidades, locais de trabalho, clubes sociais, sindicatos, associações de moradores, e por aí fora.
Tente recordar onde aprendeu as lições mais importantes da sua vida: o que amar e como amar bem; como perdoar e pedir perdão; como trabalhar no duro e celebrar alegremente; como ajudar os outros e depender deles; como confiar e ser de confiança; como acolher a sabedoria e como transmiti-la; como defender um princípio, e como defender os pobres.
Estou disposto a apostar que não aprendeu nada disto com o Estado.
Estas lições aprendem-se invariavelmente no meio dessas instituições sociais mais terra-a-terra que estão ameaçadas pela cultura contemporânea. A maior parte de nós só visita uma mesa de voto de tantos em tantos anos; mas passamos a maior parte do nosso tempo precisamente no meio dessas instituições sociais ameaçadas. É aqui que fazemos o grosso da nossa contribuição enquanto cidadãos.
Por isso, o bom cidadão tem obrigação de cuidar de forma especial daquelas instituições mais próximas de nós do que o Estado, promovendo aquilo que a doutrina social católica chama Subsidiariedade. Sem a saúde destas instituições, o Estado seria privado não só de bons cidadãos, mas também de todos os outros bens sociais que o Estado tem por função primordial proteger.
Por fim, para além de amar a comunidade política a que pertence, e de cuidar dos pequenos núcleos da sociedade que sustentam a comunidade política alargada, o bom cidadão também ama aquilo que está acima da política.
O bom cidadão adora a Deus porque é justamente isso que a criatura deve para com o Criador. Ao louvar a Deus, o bom cidadão também reconhece os limites da política e recusa-se a exigir ao Estado aquilo que o Estado não pode dar. Ao ordenar o seu amor para o maior bem, o homem assegura-se de que os seus outros amores também estão ordenados. E ao reconhecer a existência de uma verdade acima da política, o homem reconhece um padrão comum segundo o qual as nossas divergências podem ser resolvidas, e as nossas divisões saradas.
O dia das eleições é apenas um dia. Um dia não chega para fazer de alguém um bom cidadão. Amar a Deus antes de todas as cosias, e depois à família e ao país, isso é coisa de todos os dias.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The Catholic Thing na quinta-feira, 8 de Fevereiro de 2024)
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