Tendo em conta a quantidade de má teologia que existe, e como parece corromper a fé, justifica-se perguntar: Para que serve então a disciplina? Mesmo muitos pais e alunos católicos parecem concordar que o estudo da teologia é um desperdício de tempo. “O meu filho vai à missa e reza com regularidade. Se for estudar teologia, pode perder a fé”. De facto, se for um adulto devoto que vai à missa e se confessa com regularidade, porque é que quereria estudar teologia?
Um dia um aluno disse-me que aprendia mais sobre Deus a observar um pôr-do-sol junto ao lago, do que em qualquer aula de teologia. Fico sempre tocado pela fé que estes alunos têm em mim, demonstrando acreditar que eu não lhes darei má nota por dizerem este tipo de coisa precisamente ao professor de teologia. Mas a minha resposta foi “claro que sim!”. Nas aulas de teologia apenas falamos sobre Deus. Mas Deus fala-nos através da criação e na criação. É por isso que o Livro de Génesis representa o acto da criação como Deus a falar. Deus diz, e faz-se. Contudo, temos de aprender a ver Deus em toda a criação, especialmente nos rostos dos pobres e dos deficientes.
Tudo bem, mas será mesmo necessário ler livros recheados de coisas complicadas para aprender isso? Não bastará ver o pôr-do-sol, trabalhar com os sem-abrigo e ir à missa?
Todas essas coisas são boas, mas aqueles de nós que ensinam teologia sabem uma coisa que outros tendem a esquecer. As pessoas, sobretudo as crianças, fazem perguntas. Lembrei-me disto o outro dia, quando assistia a uma conferência sobre a eucaristia, proferida pela minha colega, uma freira dominicana brilhante e muito querida. Ela referiu que quando estava a dar aulas num colégio, os alunos do segundo ciclo faziam perguntas do género: “E se um rato entrar no sacrário e comer uma hóstia? Teria comido o corpo de Cristo? Cristo estaria dentro dele?”
Quem passou tempo com miúdos sabe que eles adoram esse tipo de perguntas. O que é que acontece depois de morrermos? Os anjos têm mesmo asas? E se ao sair do confessionário, enquanto estou a rezar, ponho-me a divagar e tenho um pensamento mau sobre uma menina, tenho de voltar e dizer “perdoa-me Senhor Padre, eu pequei, passaram dois minutos desde a minha última confissão?”
Às vezes os miúdos fazem este tipo de pergunta sem grande preocupação pela resposta, mas outras vezes tudo depende de obterem as respostas certas. Conheço uma rapariga que se encontrava de quinze em quinze dias com um padre para tentar obter respostas para as suas questões, mas ele simplesmente não tinha a formação teológica para lhe dar aquilo que ela queria. Quando finalmente chegou à sua primeira aula de teologia na faculdade, compreendeu que o professor também não lhe conseguiria responder, e então foi-se informar sobre os outros e pediu transferência para uma turma com um professor capaz.
Santo Agostinho tinha questões que precisava de resolver antes de poder entrar na Igreja. No início de As Confissões ele queixa-se: “Senhor, há tanto tempo que estás afastado de mim”. Mas depois compreende que o problema não era que o Senhor estava longe dele, mas que ele tem estado afastado do Senhor. Mas como poderia ser? Se Deus está em todo o lado, como é que poderia estar “longe” dele? Em todo o lado para onde ele ia, Deus estava lá. Só que ele não o sabia.
Levou algum tempo a compreender que estava a pensar em Deus da forma errada, como se o Deus cristão fosse um ser do qual Agostinho pudesse fugir, como Apolo a fugir de Zeus. Eventualmente Santo Ambrósio ajudou-o a compreender que o Deus de que falavam os cristãos é a Fonte do Ser e da Bondade do cosmos, não apenas um ser particularmente poderoso dentro do cosmos.
A Escritura diz que Cristo é “o filho de Deus”. Porreiro. Mas o que é que isso significa? Será um “filho de deus” como Hércules ou Apolo eram filhos de um deus? Os antigos Padres e Doutores da Igreja estavam longe de aceitar a filosofia grega de forma acrítica, mas recorreram a ela para ajudar a clarificar que o Filho é consubstancial ao Pai. E eventualmente, depois de mais alguns anos de árdua reflexão teológica, afirmaram que aquelas três personagens das Escrituras – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – são três hipóstases (outro termo da filosofia grega) num só Ser.
A teologia deve contribuir para compreender a fé e não para a minar. Mas quando as pessoas têm perguntas a fazer – e como o Papa São João Paulo II nunca se cansava de repetir, temos sempre perguntas, sobretudo os mais novos, e isso é uma coisa boa – quem dará as respostas? E que tipo de respostas serão essas?
Essas respostas devem vir de uma perspectiva secular? Do estilo: “Não existem milagres”, ou “Deus nunca condenaria um acto sexual”; ou de uma perspectiva fideísta? “Não penses demasiado, limita-te a fazer o que a Igreja manda”?
São Pedro aconselha-nos a estarmos “sempre preparados para responder a quem quer que vos peça a razão da esperança que há em vós” (1 Pedro, 3, 15). Estamos prontos? Temos respostas que possam ajudar as pessoas a compreender a fé, para que a possam viver plenamente num mundo decaído e complicado?
Se não temos, então se calhar devíamos ler mais teologia e menos posts enraivecidos. As coisas estão mal? Sim, claro que estão. Num mundo manchado pelo pecado original, será sempre assim. Mas somos mais bem servidos ao ler mais uma diatribe furiosa sobre os nossos problemas, ou a ler a sabedoria dos Doutores da Igreja para nos ajudar a compreender o que devemos fazer em relação a esses problemas?
Não há volta a dar. As pessoas têm perguntas. E é bom que tenhamos respostas bem pensadas e boas, ou então vamos perdê-las. Infelizmente, muitas vezes é isso que acontece.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 6 de Fevereiro de 2024)
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