A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja em Portugal deu esta segunda-feira uma conferência de imprensa em que abordou um pouco da sua metodologia e dos seus objetivos.
Pelo que vi e li sobre a conferência – não estive presente pessoalmente – os sinais parecem-me ser muito positivos.
1 – Não teremos Paris
A curiosidade tem sido muita para saber que abordagem a comissão portuguesa vai fazer, se a de praticamente todas as outras comissões até hoje, de apresentar o máximo número de testemunhos possível, mas só os casos que lhe chegam e que são dados como credíveis, ou a da comissão francesa, que optou por recolher dados e fazer uma extrapolação para a realidade nacional que se revelou aparentemente absurda, mas conseguiu fazer um estrondo na comunicação social. A comissão foi clara ao dizer que não serão feitas extrapolações, até porque existe a noção de que os casos recolhidos, ainda que sejam mais do que os esperados, não terão representatividade para tal.
2 – Prioridade para as vítimas
A grande prioridade desta comissão, como não podia deixar de ser, é de dar voz às vítimas. O site criado para receber testemunhas remete para isso mesmo: darvozaosilencio.org
Neste assunto trágico dos abusos só interessa a justiça e a verdade. Tudo o que seja uma instrumentalização das vítimas e dos abusos é de descartar. Até aqui os sinais dados pela Conferência Episcopal e pela comissão que esta nomeou são muito positivos nesse sentido. Não há indícios de que a comissão esteja lá para tentar “dourar a pílula” nem para tramar a Igreja. Isso é excelente, porque acima de tudo essa instrumentalização seria uma falta de respeito pelas vítimas e pela sua dor. Mais, como escrevi noutro artigo, a Igreja só pode crescer e melhorar a sua forma de lidar com este assunto se for guiada pela verdade, e por factos, e não por manipulações e campanhas sentimentalistas.
3 – À justiça o que é da justiça
É importante perceber – e os membros da comissão deixaram-no claro – que o trabalho que agora começa não é uma investigação criminal. Não se pode esperar isso da comissão, nem esta tem os meios. Essa é, aliás, uma excelente notícia, na medida em que liberta a comissão para poder tratar e avaliar casos e testemunhos que não sejam de âmbito criminal ou que já tenham prescrito. Foi garantido que a comissão encaminhará denúncias criminais e testemunhos que não tenham prescrito para as entidades adequadas, que certamente as investigarão.
4 – Boa relação com a imprensa
Um dos detalhes que ressalta desta conferência de imprensa é a vontade dos seus membros de trabalharem com a imprensa. Isto é importante pois, como bem foi dito, a comissão precisa da ajuda da imprensa para divulgar os meios pelos quais podem ser feitos os testemunhos. Em “troca” a comissão ir dando aos jornalistas algum feedback sobre como está a correr o processo, evitando assim especulações que não servem de nada. Esperemos que esta boa intenção se realize.
5 – Dados gerais
Quando – O grosso dos testemunhos será recolhido até junho. Se chegarem testemunhos depois desta data, far-se-á um esforço para que sejam tratados. O relatório final da comissão será apresentado em Dezembro.
Como – Os testemunhos podem ser feitos através do site: darvozaosilencio.org; por telefone: +351 917 110 000, por email: geral@darvozaosilencio.org, por atendimento pessoal, mediante marcação por telefone e, em breve, por carta.
Espaço temporal: A comissão está aberta a escutar casos que remontem até 1950.
6 – Expectativas
O que vai descobrir a comissão? Até ao momento, não tem havido muitos casos reportados de abusos sexuais na Igreja portuguesa. Alguns especulam que isso é porque o assunto nunca foi estudado, e que a realidade escondida é terrível. Na qualidade de jornalista que tem acompanhado este caso, com base no que tenho sabido em “on” e em “off”, julgo que não há razões para temer uma enchente de novas denúncias, sobretudo de eventuais casos recentes. Não nos devemos esquecer que o jornal Observador fez uma campanha de recolha de denúncias, ao longo de várias semanas e que, não obstante ter apresentado dados novos sobre vários casos, só surgiu um caso que até então não era do conhecimento público. O que isto diz sobre a realidade da Igreja e da sociedade portuguesa é assunto para outra reflexão mais profunda, a fazer-se em Dezembro.
Rezemos para que todo este processo corra bem, que contribua para o crescimento e para a santificação da Igreja e, sobretudo, para que algumas das vítimas consigam ver reconhecido o seu sofrimento e alcancem a paz.